32ª Aula - Revisão: Pode-se definir integral (de Lebesgue) de funções num intervalolimitado de ℝn como se pode definir ℝ completando o espaço linear normado  ℚ com a norma |q|: completando o espaço normado das funções integráveis à Riemann num intervalo limitado com a norma dada pelo integral do valor absoluto de cada função. Definição mais concreta: (1) Definição de função limite superior por limite de funções em escada e de integral (de Lebesgue) por expansão linear das funções limite superior em intervalo de ℝn. Aditividade e homogeneidade positiva do integral de funções limite superior. Verificação de que a função de Dirichlet em [0,1] é limite superior e tem integral 0 apesar de não ser integrável à Riemann, e exemplo de função limite superior com simétrica que não é limite superior. Linearidade do integral. Funções integráveis à Riemann são integráveis (à Lebesgue) e os integrais são iguais.

23 abril 2019, 11:30 Luis Magalhães

Revisão: Integral (de Lebesgue): Como o integral de Riemann tem sérios defeitos (e.g. um conjunto de medida nula pode ter função característica não integrável à Riemann quando o integral deveria existir e ser 0 ) e desde há 115 anos tem interesse meramente didático (excepto em situações específicas restritas), é preciso considerar um integral sem esses defeitos. Uma definição poderia ser tal e qual se pode definir ℝ como o menor espaço linear normado completo que contém ℚ com a norma |q| (para que sucessões de Cauchy sejam convergentes), que é uma maneira de definir irracionais a partir dos racionais e que aplicada a integral de Riemann alargar o conjunto das funções integráveis a partir das funções integráveis à Riemann:

Designa-se o conjunto das funções integráveis à Riemann num intervalo limitado I⊂ℝn por R(I) e as funções integráveis à Lebesgue em I por L(I). Considera-se o espaço linear R(I) com a norma ||f||1=∫|f| , em que se identificam as funções iguais q.t.p. em I (i.e. os elementos do espaço são as classes de funções iguais q.t.p. em I ). R(I) é um espaço linear normado que não é completo, e.g. considerando I=[0,1] , d:[0,1]→ℝ a função de Dirichlet, {qk} uma enumeração de ℚ∩[0,1] , e a sucessão de funções {dj} que são iguais a 1 nos 1ºs j termos de {qk}  e 0 nos outros, é tal que ||dj-dk||1=∫|dj-dk|=0 , pelo que é trivialmente uma sucessão de Cauchy em R(I) que tem como limite a função de Dirichlet d∉R(I) (como existem sucessões em ℚ que convergem para 21/2∉ℚ ). 
Exactamente pelo mesmo processo que se pode definir ℝ completando ℚ com a norma do valor absoluto (logo, sem ser axiomaticamente), também se pode definir L(I) completando R(I) com a norma || ||. Pode ser assim definido o conjunto L(I) das funções integráveis à Lebesgue em I e o integral de Lebesgue de f∈L(I) por ∫f=lim ∫fk em que {fk}⊂R(I) e fk→f na norma || ||

Imediatamente a função de Dirichlet d é integrável e tem integral 0 (à Lebesgue), resolvendo um defeito do integral de Riemann que não existia para esta função apesar do seu conjunto de ordenadas ter medida nula e, portanto, dever ter área 0 .

Observação: Esta definição do integral (de lebesgue) é rigorosa em intervalos limitados, mas tal como no caso de ℝ se preferiu uma definição mais concreta juntando às propriedades das operações e da ordenação de ℚ o axioma do supremo para facilitar cálculo, também neste caso vamos considerar uma definição mais concreta a partir de funções em escada, com a vantagem de podermos considerar à partida intervalos ilimitados.

Chama-se função em escada em intervalo ilimitado de ℝn a função que é 0 fora de um intervalo limitado que tem restrição a esse intervalo que é uma função em escada). Chama-se função limite superior num intervalo de I⊂ℝn a função f:I→ℝ tal que ∃ sucessão {sk} de funções em escada em I crescente e convergente para f q.t.q. em I , sk↗f q.t.p. em I com {∫sk} majorada e define-se o integral de função limite superior por ∫f=limk→∞ ∫s(prova-se que é independente de {sk} com as propriedades indicadas). Designa-se o conjunto das funções limite superior em I por U(I). Se f,g∈U(I) e c≥0 , é f+g,cf∈U(I) e  ∫I(f+g)=∫If+∫Ig ,  ∫I(cf)=c∫If (em consequência da linearidade do limite). Como se pretende que L(I) seja espaço linear, considera-se o espaço linear gerado por U(I), ou seja L(I)={f=u-v: u,v∈U(I)}, que é o espaço das funções integráveis à Lebesgue e define-se o integral de Lebesgue de f∈L(I) com f=u-v por  ∫If=∫Iu-∫Iv , com u,v∈U(I) (é independente da decomposição f=u-v com u,v∈U(I) porque o integral em U(I) é aditivo).

Observações: 
(1) É preciso verificar que é independente da sucessão {sk} com as propriedades indicadas, o que resulta da monotonia do limite (ver no livro). 
(2) A 2ª definição é mais concreta e baseia-se exactamente no mesmo em que se baseou a definição do integral de Riemann: aproximações por funções em escada (mas simplificando considerando apenas funções em escada por baixo da função e definindo o integral pelo limite dos integrais, com a consideração da convergência para a função ser q.t.p.; logo, é argumentável que não é mais difícil do que a definição de integral de Riemann). Além disso, define integral mesmo em intervalos ilimitados e mesmo de fuções ilimitadas (que podem ser ou não integráveis no novo sentido). 

Exemplos:
(1) A função de Dirichlet d:[0,1]→ℝ satisfaz sk↗d com szero excepto nos 1ºs k racionais de uma enumeração de ℚ∩[0,1]={qj} que é 1, pelo que d∈U([0,1]) e ∫d = limk→∞ ∫Isk= 0 .
(2) Com tk=0 em todo [0,1] , tk↗-d q.t.p. em [0,1] , pelo que -d∈U([0,1]) e ∫I-d = limk→∞ ∫Itk= 0 .
(3) A função D:[0,1]→ℝ que é 1 em ∪j Ij com Ij=[qj-1/4j, qj+1/4j] e 0 nos outros pontos satisfaz sk↗D em [0,1] com sk 1 em ∪kj=1Ij  e 0 nos outros pontos, pelo que D∈U([0,1]) e ∫ID = limk→∞Is≤ ∑j v(Ij) = ∑j 2/4= 2/3 .
(4) Se {sk}⊂S([0,1]) e sk≤-D q.t.p. em [0,1] , é sk≤-1 q.t.p. em [0,1] ; como -D=0 num conjunto que não tem medida nula, não existe {sk}⊂S(I) : sk↗-D q.t.p. em [0,1] ; logo, -D∉U([0,1]) . Portanto, U([0,1]) não é espaço linear.

Proposição: Se  I⊂ℝé um intervalo, então f↦∫If é uma transformação linear de L(I) em ℝ . 

(Dem.: aplicar aditividade e homogeneidade positiva do integral de funções em U(I) passando somas de diferenças a diferenças de somas e trocando diferenças por diferenças dos simétricos).

Proposição: Se  I⊂ℝé um intervalo limitado, f∈R(I) ⇒ f∈U(I) e ∫If (à Riemann) = ∫If (como função de U(I) ). 

(Dem.: As funções integráveis à Riemann são arbitrariamente aproximadas por funções em escada por baixo e por cima e o integral à Riemann coincide com o limite dos integrais dessas funções).

Observação: Com este conceito de integral resolveu-se o defeito do integral à Riemann não dar o volume de certos conjuntos de medida nula, pois este integral dá volume 0 para estes conjuntos, não se perdeu nada porque todas as funções integráveis à Riemann são integráveis (à Lebesgue) e ambos integrais são iguais, alargou-se o espaço das funções integráveis, inclusivamente abrangendo certas funções ilimitadas e/ou em conjuntos ilimitados (pois a definição não exige estas propriedades).