53ª Aula – Referência a extensão do TFCálculo para o caso geral de variedades-m em ℝn (Teorema de Stokes com formas diferenciais. Considerações finais por ser a última aula da disciplina.

29 maio 2020, 11:30 Luis Magalhães

(Não houve aula presencial porque a Direcção do IST decidiu suspender as aulas presenciais devido ao surto de COVID-19. Por isso, a descrição abaixo é bastante detalhada)

Observações: 

(1) Obtiveram-se versões do Teorema Fundamental do Cálculo (TFC) para variedades-m em ℝn nos casos m=1 e n∈ℕ (p/ integrais de linha), m=n (p/ integrais múltiplos ou T. da Divergência), m=2 e n=3 (T. de Stokes em variedades-2 em ℝ3).
Em geral, para 1≤m≤n , n∈ℕ , também há um TFC, mas tem de se considerar funções que não são campos vectoriais em ℝn. Como as relações de expansão/contracção de volume-m por parametrizações de variedades-m em ℝn correspondem às várias formas de seleccionar m linhas da matriz jacobiana Dg , que é nxm , sem repetições e independentemente da ordenação é combinações de n , m a m , ou seja k=n!/(m!(n-m)!) , as funções a considerar para integração em variedades-m em ℝn devem ter k componentes escalares. 
Para m=1 é k=n e, portanto. são campos vectoriais em ℝn que é o caso de integrais de linha; para m=n é k=1 e, portanto, são campos escalares que é o caso de integrais múltiplos; para m=2 e n=3 é k=3 e, portanto, são campos vectoriais em ℝ3 que é o caso de integrais em variedades-2 em ℝ3; para m=n-1 e n∈ℕ é k=n e, portanto, são campos vectoriais em ℝn que é o caso de fluxos de campos vectoriais em fronteiras de domínios regulares em ℝn.
Contudo, por exemplo, para m=2 e n=4 é k=6 , e para m=2 e n=5 ou m=3 e n=5 é k=10 , e, portanto, integrais em variedades-2 em ℝ4 devem ser de funções com 6 componentes escalares, integrais em variedades-2 em ℝ5 ou em variedades-3 em ℝ5 devem ser de funções com 10 componentes escalares, e assim sucessivamente. Estas funções a integrar em variedades-m em ℝn, para 1≤m≤n , n∈ℕ , com n!/(m!(n-m)!) componentes chamam-se formas diferenciais de ordem m ou formas-m . Como o nº de componentes reais das funções a integrar é dado por combinações de n m a m, pode ser obtido a partir do Triângulo de Pascal.

(2) A fórmula do TFC ou T de Stokes em variedades-m  em n é simplesmente  ∫Aodω = ∫∂Aoω , unificando as várias formas diferentes do TFC que considerámos e estendendo-a para variedades-m em n  com 1≤m≤n , válida se A é um domínio regular numa variedade-m em ℝn orientável, o em Ao é uma orientação desta variedade e em ∂Ao é uma orientação da variedade-(m-1) ∂A consistente com a anterior, ω é uma forma-(m-1) C1 no fecho de A e dω  é uma forma-m a que se chama derivada exterior de ω , cuja fórmula se pode obter analogamente a como se obtiveram a divergência e o rotacional por aplicação do T da Divergência no domínio de uma parametrização da variedade-m e considerando o operador diferencial que resulta após aplicação da parametrização no integral na variedade-m .

(3) A derivada exterior de uma forma diferencial generaliza os operadores diferenciais gradiante, rotacional e divergência dos casos particulares, resp., m=1, (m=2, n=3), (m=n). As componentes de dω no caso de ω ser uma forma-0 são as do gradiante do campo vectorial associado, se ω é uma forma-1 são as do rotacional do campo vectorial associado, se é uma forma n-1 há uma única componente que é a divergência do campo vectorial associado,

(4) A derivação exterior em conjugação com a orientação da variedade é um operador de derivação intrínseco. É invariante sob transformações de coordenadas, tal como os produtos internos do gradiante e do rotacional pela normal unitária que define a orientação considerada e a divergência. São os operadores diferenciais naturais para o cálculo integral em variedades.

(5) O T de Stokes com formas diferenciais unifica os TFC considerados anteriormente. Em particular, no caso de formas-(n-1) em ℝn a derivada exterior corresponde à divergência do campo vectorial associado, no caso de formas-0 em ℝn corresponde ao gradiante  e no caso de formas-1 em ℝ3 corresponde ao rotacional.

(6) Analogamente ao referido para os casos tratados, por aproximações de funções contínuas por funções C1 ou C2 obtém-se a versão geral do T. de Stokes para as correspondentes  variedades com cantos.

(7) A derivada exterior de uma forma-m é um operador diferencial intrínseco, por razão análoga da divergência e do rotacional.

(8) Define-se forma ω fechada se dω=0 , que para formas-(n-1) corresponde a campos vectoriais solenoidais e para formas-1 em ℝ3 corresponde a campos vectoriais irrotacionais (ou fechados). Define-se forma ω exacta se ω=dγ , generalizando tanto campos que são um gradiante como campos que são um rotacional. Pode-se provar de modo análogo a como se fez para campos irrotacionais ou solenoidais num conjunto em estrela que num conjunto em estrela uma forma fechada é exacta (embora, tal como anteriormente, pode haver outros conjuntos em que formas fechadas sejam necessariamente exactas).

(9) Quem estiver interessado nestes assuntos poderá estudar as pgs. 193-229 do livro Luis T. Magalhães, Integrais em Variedades e Aplicações, 2ª Edição, Texto Editora, 1999, que na parte final inclui as Equações de Maxwell para Electromagnetismo com formas diferenciais no espaço-tempo ℝ3+1, que se reduzem a duas equações com derivadas exteriores de formas-2, ambas com uma parcela relativa à parte eléctrica e outra à parte magnética, uma equação linear homogénea e uma equação linear não homogénea com termo independente que é uma forma-3 com uma parcela de densidade de carga eléctrica e outra de densidade de corrente eléctrica. Referem-se a seguir sinteticamente as principais noções, que se pode ver que seguem naturalmente o que se fez para integrais múltiplos, de superfície ou de linha, e o Teorema de Stokes geral que unifica T. Divergência, T. de Green, T. de Gauss, T. de Stokes para variedades-2 em ℝ3 e generaliza-o para variedades-m em ℝn com 1<m≤n .

Definição: Para cada múltiplo ordenado de I=(i1, …, im) de números naturais de 1 a n, com 1≤m≤n define-se a função dxI:(ℝn)m→ℝ tal que dxI(v1, …, vm)=det VI, em que VI é a a submatriz mxm das colunas i1,…im da matriz V que tem na linha j as componentes de vj na base canónica de de ℝn. Designa-se Λm(ℝn) o subespaço linear do espaço linear real das funções de (ℝn)m em ℝ com as operação usuais gerado pelas funções dxI , com I∈{1, …, n}m. Aos elementos de Λm(ℝn) chama-se os covectores-m (convenciona-se que covectores-0 são os números reais). Quando n=1,2 ou 3 usa-se dx=dx(1), dy=dx(2), dz=dx(3) . Designa-se [I] o conjunto dos I=(i1, …, im) com i1,…im∈{1, …, n} e i1<i2< ··· <im .

Observação: Os elementos de Λm(ℝn) são funções multilineares. Diz-se que são alternantes porque trocando um par de argumentos mudam de sinal.

Proposição: {dxI }I[I] é uma base do espaço linear Λm(ℝn) , a que se chama a base canónica deste espaço. Logo, dim Λm(ℝn) = combinações de n m a m =n!/(m!(n-m)!).
(Dem.: É um exercício simples de Álgebra Linear,)

Definição: Chama-se produto exterior de ω∈Λm(ℝn) por ζ∈Λk(ℝn) a ω ∧ ζ=∑[I],[J] ωIζJdxI,J∈Λm+k(ℝn), em que a soma é sobre todos os múltiplos de índices pertencentes a [I], [J] , ωI e ζJ designam as componentes de, resp., ωζ nas bases canónicas de, resp., Λm(ℝn) , Λk(ℝn)  correspondentes ao vector da base canónica, resp., dxI, dxJ, e dxI,J= dxL com L=(i1, …, im, j1,…jk).
Chama-se orientação de uma base ordenada (v1, …, vm) de um subespaço linear de ℝn a o=(v1*∧ ··· ∧ vm*)/|v1*∧ ··· ∧vm*| , em que vj*(u) =v·u para v,u∈ℝn e |v1*∧ ··· ∧ vm*| é o volume-m do paralelepípedo-m em ℝn com arestas (v1, …, vm) .

Definição: Chama-se forma diferencial de grau m ou forma-m em D⊂ℝn a uma função ω de D em Λm(ℝn) (convenciona-se que um campo escalar em D é uma forma-0).

Diz-se que uma variedade-m M em ℝn é orientável se existe uma forma-m o definida e contínua em M tal que o(x) é uma orientação do espaço tangente a M em x , e nesse caso diz-se que o é uma orientação de M .
Se g:V→ℝn é uma parametrização de uma vizinhança de coordenadas M∩U de uma variedade M em ℝn, chama-se orientação induzida em M∩U por g a uma orientação o de M∩U que num ponto x=g(t) é tal que oI(x) e det DgI(t) têm o mesmo sinal, em que gI=(gi1. …, gim).

Definição: Se M é uma variedade-m em ℝn com orientação o , A⊂M é um conjunto mensurável-m e ω é uma forma-m definida em A, define-se o integral da forma diferencial ω em A com orientação o por ∫Ao ω = ∫A ω(x)·o(x) dVm(x) .

Definição: Se ω=∑[I] ωIdxI é uma forma-m num conjunto aberto D⊂ℝn, e as funções componentes ωI têm derivada em D, designada dωI , a derivada exterior dω de ω é a forma-(m+1) em D dω=∑[I] I∧dxI .

Definição: M é uma variedade-m C2 em ℝn com orientação o, A⊂M é um domínio regular em M, chama-se orientação de ∂A consistente com a orientação o de A a uma orientação de ∂A também designada por o tal que num ponto pertencente a uma vizinhança de coordenadas de M com parametrização g que induz a orientação o na vizinhança de coordenadas, considerando a normal unitária exterior a ∂A num ponto x∈∂A n(x) ∈TxM ,  

Teorema de Stokes: Se M é uma variedade-m C2 em ℝn com orientação o, A⊂M é um domínio regular em M e ω é uma forma-(m-1) definida e C1 em A , então ∫Aodω = ∫∂Aoω , em que Ao designa A com a orientação o e ∂Ao designa ∂A com a orientação consistente com a orientação o de A , que também se designa por o , mas é uma forma-(m-1) em ∂A  em vez de uma forma-m em A .  

Considerações finais:

(1) A matéria teórica da disciplina terminou praticamente na 45ª Aula. As 7 aulas seguintes (quase todas as das 2 últimas semanas), foram dedicadas a presentar exemplos de aplicações muito relevantes do T. Fundamental do Cálculo em várias variáveis, com o objectivo de ilustrar algumas das muitas aplicações do cálculo diferencial e integral de várias variáveis reais em muitas áreas de interesse e de exemplificar e exercitar a aplicação do T. Fundamental do Cálculo em variadas situações. Como exemplos que são, não fazem parte da matéria nuclear da disciplina, mas são úteis para compreender e exercitar a sua aplicação. Os detalhes de cada exemplo, em particular respeitantes da questões da Física não constituem parte da matéria para avaliação nos testes finais, embora possam ajudar a perceber os métodos de aplicação do T. Fundamental do Cálculo que podem ser necessários para responder a perguntas de aplicação do T. Fundamental do Cálculo.
Ao mesmo tempo, deu-se, assim, um período considerável para consolidação da matéria nuclear da disciplina dada anteriormente.

(2) Terminámos a disciplina. Foi, como vos disse na 1ª aula, uma disciplina intensiva com alguns tópicos difíceis que conjugou e estendeu o que tinham aprendido em Álgebra Linear e CDI1. Creio que aprenderam muito no pouco tempo que têm nos 3 anos para ficarem Licenciados ou equivalente. Penso que foi o querer aprender muito e depressa que vos trouxe para o Técnico. O que aprenderam de Matemática neste 1º ano em Álgebra Linear, CDI1 e CDI2 é extremamente útil não só nos casos concretos que foram considerados, mas também para aplicação a problemas novos, eventualmente com adaptações. Por isso, teve-se o cuidado de orientar a matéria de modo a poder criar boas bases e a estudar certos conceitos que são alicerces para métodos de grande utilidade, de uma maneira em que eventuais necessidades de generalização ou adaptação que vão encontrar possam ser feitas com alguma facilidade. Aprender só a resolver problemas que os professores ensinam a calcular com receitas para pouco serve (se pode ser feito automaticamente, é ou será um dia, feito por máquinas). Por isso é essencial aprender conceitos e métodos fundamentais e a razão de ser dos conceitos, mais do que aprender procedimentos. O que é preciso, além de dominar a matéria, é não ter medo quando surge um problema que nunca viram e tratá-lo com os métodos que aprenderam. Verão que, se assim fizerem, poderão fazer muito mais do que imaginam que seriam capazes e ir muito longe.

(3) Foi um prazer dar-vos aulas, que só foi prejudicado com a interrupção das aulas presenciais devido à epidemia do COVID19, o que impediu o nosso contacto pessoal (4 vezes por semana) demasiado cedo neste semestre.

(4) Faço votos para que tenham um bom período de estudo para as avaliações finais e que vos corram da melhor maneira, e desejo-vos os maiores sucessos futuros na vossa vida escolar e profissional.