Biografia Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves

PERCURSO PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO FERNANDO IVO GONÇALVES

 

O percurso profissional do Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves (1923-2012) foi orientado no sentido da especialização nos problemas da energia eléctrica, designadamente quanto ao planeamento da produção hidráulica e térmica e exploração de redes de alta tensão.  Ingressou no Instituto Superior Técnico em 1941/42 e concluiu o curso de Engenharia Electrotécnica em 1946/47. Nessa época foram aprovadas a Lei de Electrificação Nacional (Lei nº 2002, em 1944) e a Lei de Fomento e Reorganização Industrial (Lei nº 2005, em 1945) que reflectiam a convicção que mais ou menos se generalizava de que Portugal tinha de trilhar os caminhos do desenvolvimento.

 



Aluno do IST

Fernando Ivo Gonçalves chegou ao Instituto Superior Técnico sem apoios familiares (o seu pai, primeiro sargento artilheiro da Armada, faleceu quando o filho tinha cinco anos) mas já com sucessivos prémios escolares no ensino liceal, que conclui com 20 valores no Liceu Pedro Nunes, tendo, conforme evidencia a carta de curso, obtido no I.S.T. os prémios: “Dr. Mira Fernandes”, destinado ao aluno mais classificado nas cadeiras de Cálculo e Mecânica Racional, “Fonseca Benevides”, destinado ao aluno mais classificado na cadeira de Física, “Saraiva de Carvalho” destinado ao aluno mais classificado no último ano do curso de engenharia electrotécnica, “Dr. Brito Camacho” destinado ao aluno mais classificado em qualquer dos cursos professados no Instituto, e concluído o curso de Engenharia Electrotécnica com 16,7 valores. Foi, enquanto estudante, dando explicações.

 

Docente do IST

Foi 2 º assistente de Matemáticas Gerais no ano lectivo de 1945-46 (ainda aluno do 5º ano), 2º assistente de Cálculo e encarregado de regência em Matemáticas Gerais no ano lectivo de 1946-47 (ainda aluno do 6º ano), 1º assistente de Cálculo e encarregado da regência de Matemáticas Gerais no ano lectivo de 1947-48. Fernando Ivo Gonçalves teria gostado de continuar a exercer a docência, mas naqueles tempos tal não seria economicamente viável. No início de 1961 ainda recebeu uma comunicação do IST convidando-o a concorrer a concursos para cadeiras do Curso Geral de Física e de Mecânica Racional, mas a sua carreira como engenheiro já estava em pleno desenvolvimento.

 

Estágios no estrangeiro

Admitido em 1948 na Companhia Portuguesa de Electricidade(CNE) foi desde logo enviado em missão de serviço da Companhia, à França, Suíça e Bélgica, países em que realizou estágios prolongados nas grandes redes eléctricas de produção e interligação. Durante o tempo em que exerceu funções no sector eléctrico, isto é, até 1983, muitas das suas deslocações profissionais ao estrangeiro abrangeram visitas a centros produtores.

 

Repartidor Nacional de Cargas

 

Criado em 1951 pelo Decreto nº 38186 o Repartidor Nacional de Cargas (RNC), estrutura em que participavam a Companhia Nacional de Electricidade e outras empresas do sector eléctrico, veio a ter um papel muito importante no seu funcionamento, ao organizar e dirigir os serviços do RNC a cargo da CNE. Foi no exercício destas funções que o Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves se tornou largamente conhecido como profissional altamente qualificado, tendo também participado na Comissão Directiva do Repartidor.

 

Publicações

 

Para a projecção profissional do Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves contribuiu largamente a publicação de estudos e a apresentação de comunicações tais como “Alguns problemas de repartição de cargas na rede eléctrica”, Técnica, Outubro e Novembro de 1952, “Quelques aspects économiques en rapport avec la coordination de l’ exploitation et la planification des ressources d´énergie électrique au Portugal”, em colaboração, apresentada na reunião da Conferência Mundial de Energia em Montréal, Setembro de 1958, e “Estudo energético” in A Energia Nuclear na Produção de Electricidade em Portugal, Companhia Portuguesa de Indústrias Nucleares (CPIN), 1961. Outras comunicações foram apresentadas em reuniões da Conferência Mundial de Energia ou da UNIPEDE (Union Internationale des Producteurs et Distributeurs de Portugal). Publicou também diversos textos na Revista Electricidade e no Boletim da Ordem dos Engenheiros, tendo integrado comissões e grupos de trabalho da Ordem.

Em 1972 participaria num ciclo organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Defesa Nacional proferindo a conferência “A produção de electricidade no quadro de uma política global da energia”, publicada pelo IAEDN em Prospectiva da Energia, 1973. O autor teria ocasião de em 2001, na comemoração pela EDP dos 50 anos de sistema eléctrico nacional (em 1951 foi criado o Repartidor Nacional de Cargas) e dos 25 anos de criação da EDP (1976) falar sobre os anos 1970, efectuando um confronto das previsões feitas na conferência do IAEDN com a realidade de 30 anos depois. Retomou esta abordagem no seu ensaio intitulado “Memória de uma época na evolução do sector eléctrico nacional” in Momentos de Inovação e Engenharia em Portugal no Século XX (coordenação Manuel Heitor, José Maria Brandão de Brito, Maria Fernanda Rollo), Volume II, 2004, Proforum, IN + do IST, IHC.

 

 

Interligações internacionais

 

É importante distinguir a participação na UNIPEDE (de cujo Comité de Direcção foi membro chegando a ser Vice-Presidente) e na Conferência Mundial da Energia (de que foi Vice-Presidente da Comissão Nacional Portuguesa), grandes fora técnicos reunindo dirigentes e quadros de praticamente todos os países, da participação em órgãos de gestão da ligação entre redes nacionais.

Presidente da Comissão portuguesa de interligação internacional, o Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves foi nessa qualidade membro da UFIPTE (União Franco-Ibérica para a Produção e Transporte de Electricidade) e delegado de Portugal na UCPTE (União para a Coordenação da Produção e do Transporte de Electricidade). Foi um persistente apoiante da realização de investimentos no sistema electroprodutor e do aproveitamento dos recursos energéticos ultramarinos, tendo visitado em trabalho Angola e Moçambique. Mesmo quando, muito mais tarde, já havido deixado de ter responsabilidades de gestão no sector da energia, continuou a evidenciar profundas preocupações com a segurança do abastecimento energético nacional, visto como um todo e não apenas na vertente da energia eléctrica.

 

Primeiras missões de gestão e participação em estruturas consultivas oficiais

 

Um engenheiro tem de ter perspectiva económica (no caso da engenharia electrotécnica, por exemplo sobre tarificação) e, progredindo na sua carreira profissional, poderá ser chamado a exercer responsabilidades de gestão. Mas a introdução de cadeiras de economia e de gestão nos cursos de engenharia havia de ter o seu tempo.

No sector da energia, era, nos anos 1950 e 1960, frequente encontrarmos empresas de economia mista, isto é reunindo participações públicas e privadas. Fernando Ivo Gonçalves assegurou durante algum tempo a ligação da Companhia Nacional de Electricidade à Companhia Portuguesa de Indústrias Nucleares (CPIN) e chegou a integrar a administração desta última.A sua nomeação em 1962 para o Conselho de Administração da Empresa Termoeléctrica Portuguesa (ETP, ou, como ficou mais conhecida, Termel), com sede no Porto, fez-se sem perda de ligação aos serviços da CNE, muito embora ao assumir a Presidência ficasse enquadrado na figura de Administrador por parte do Estado, nessa altura sem carreira ou estatuto retributivo próprio.

Simultaneamente, e depois de nos anos 1950 ter feito parte de comissões oficiais, veio a integrar o Conselho Superior de Electricidade e a Comissão Técnica Interministerial de Planeamento e Integração Económica, onde presidiu ao Grupo de Trabalho “Energia”. Num contexto em que o Estado ou a organização corporativa, sua extensão, se substituíam a iniciativas empresariais e associativas genuínas(a Junta de Energia Nuclear absorveu o campo de actuação  da CPIN, o então criado Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade sucedeu à secção de produção de energia da Associação Industrial Portuguesa) vemos o Engº Fernando Ivo Gonçalves, administrador por parte do Estado, a exercer funções como vice-presidente do grémio, membro do conselho  da 1ª secção da Corporação da Indústria e de procurador à Câmara Corporativa nas duas últimas legislaturas desta. Após o 25 de Abril, viria a ser membro do Conselho Nacional do Plano em representação do governo.

 

Da fusão das empresas da rede eléctrica primária à EDP

 

Em 1969 após vários anos de preparação, concretizou-se a orientação governamental de fundir numa única empresa, a Companhia Portuguesa da Electricidade (CPE), as três grandes Hidroeléctricas (do Cávado, do Douro e do Zêzere), a Termoeléctrica Portuguesa e a própria Companhia Nacional de Electricidade. Apesar da existência de capitais privados o Estado reservou-se a nomeação dos elementos-chave da Administração, entre os quais o Presidente do Conselho de Administração e o Presidente do Conselho de Gerência, que era também Vice-Presidente do Conselho de Administração.

Fernando Ivo Gonçalves fica Presidente do Conselho de Gerência (se quisermos, um CEO ou um PDG) e incumbe-lhe nesta empresa com sede no Porto e estabelecimento central em Lisboa assegurar o desenho da estrutura interna e de um regime de pessoal unificado, criando um Conselho de Pessoal parcialmente constituído por representantes eleitos dos trabalhadores, segundo um modelo ainda pouco comum, nessa época, nas empresas portuguesas.

Anos depois, com o 25 de Abril ficará, com todo o apoio dos trabalhadores, como um dos membros da Comissão Administrativa da CPE, posição que mantem após a nacionalização do sector eléctrico em 1975 (uma nacionalização que já existia de facto, e quase consensualmente), ficando também a integrar a comissão de reestruturação do sector. Fundida a CPE com toda uma série de empresas produtoras – distribuidoras então nacionalizadas e integradas as actividades, designadamente de distribuição, a cargo dos municípios e das federações de municípios, é criada em 1976 a EDP, então Electricidade de Portugal, empresa pública com sede em Lisboa e um Conselho de Gerência cujo presidente virá a ser o Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves.

Surge de novo a necessidade de redesenhar a estrutura interna e um regime de pessoal unificado, agora com parceiros – sindicatos e comissões de trabalhadores – mais poderosos, e de negociar compensações com os municípios desapossados dos seus estabelecimentos ou que se recusam a pagar à EDP o preço estabelecido, para poderem manter para com os seus munícipes os “preços políticos” anteriores (o caso mais conhecido foi o da Câmara do Porto).

Sobretudo, o financiamento do investimento em novos centros produtores tornou-se uma questão premente. Antes do 25 de Abril, numa excepção à política de Salazar, havia sido possívelrecorrer para esse efeito a financiamentos externos, designadamente do Banco Mundial, posteriormente foi necessário fazê-lo sobretudo por razões relacionadas com a situação cambial do país, que necessitava de fazer entrar divisas para colmatar os défices da balança comercial. Ora Fernando Ivo Gonçalves, pela sua experiência anterior e pela compreensão que ganhou dos mecanismos de negociação (sem deixar de ser um negociador firme) mostrou ser nesta área também o homem certo no lugar certo, participando na negociação de empréstimos junto do Banco Mundial, do Banco Europeu de Investimentos, e de bancos europeus, americanos e japoneses. Aliás procurou veicular essa experiência através da área das Empresas Públicas que coordenou no Instituto Nacional de Administração(INA), tendo mesmo publicado um caderno sobre o assunto.

Da projecção internacional da sua figura decorreu que para além da Ordem de Mérito Industrial, que lhe foi atribuída no dia 10 de Junho de 1979 veio a ser condecorado com a Ordem de Mérito (grã-cruz) da Republica Federal Alemã em 1980, com a “ Légion d´Honneur” de França (grau: oficial) em 1981, e com a Ordem Nacional do Rei Leopoldo II da Bélgica (grau: oficial) em 1982.

 

“Privatização”

 

Em 1983 Fernando Ivo Gonçalves toma a iniciativa de renunciar ao cargo de Presidente do Conselho de Gerência da EDP. Suficientemente conhecido entre a elite empresarial, evitou comprometer-se com empresas com relações com o sector eléctrico e veio a exercer funções de administração em empresas de capitais estrangeiros (franceses, alemães e árabes), paralelamente com o desenvolvimento de actividades de consultoria relacionadas com economia e gestão. Como explicar esta “privatização” radical de alguém com um sentido de serviço público marcadamente forte? É útil mencionar as razões num texto que pretende fazer reflectir sobre percursos profissionais.

Por um lado o desejo de desenvolver uma carreira de gestão empresarial em novos sectores, tal como muitos outros engenheiros com competências comprovadasno domínio da gestão vinham fazendo, por outro o interesse em ultrapassar as limitações de remuneração do sector público (as remunerações dos gestores na EDP eram muito inferiores às remunerações dos gestores na ex-CPE e nenhuma comparação suportam com as praticadas na actual EDP). Neste domínio, uma saída aos 60 anos, como se veio a verificar, era já tardia e podemos dizer que o Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves já a tinha perspectivado aos 50. Também terá pesado a circunstância de as empresas públicas virem sendo genericamente atacadas enquanto tais nos debates ideológicos, incluindo nos casos de nacionalização consensual já esboçada anteriormente ao 25 de Abril (como a do sector eléctrico) e até a desconfiança do poder político em relação às empresas geridas por quadros dos próprios sectores, muitas vezes radicadas na vontade de os substituir por pessoal seu.

 

Promoção do interesse geral: exercício da função “regulação”

 

Mesmo passando a exercer funções privadas o Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves não deixou de ser sensível  à  defesa do interesse geral, fazendo parte do Conselho da Concorrência de 1984 até à sucessão deste pela Autoridade da Concorrência e vindo a partir de 1995 a exercer funções como Presidente da Comissão de Acompanhamento das Concessões das Empresas Públicas Multimunicipais de Águas e Saneamento e de 1997 as de membro do Conselho Consultivo da então “Entidade Reguladora do Sector Eléctrico” (ERSE), hoje Entidade Reguladora do Sector Energético.

O que não o impediu de manter igualmente atenção às perspectivas de desenvolvimento do sector privado, quer como Membro do Conselho Económico, Social e Cultural da Associação Industrial Portuguesa, quer como membro do Conselho Editorial da Revista Negócios, quer como seu articulista.

 

Actividades sociais e culturais

 

O Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves foi membro de diversas associações profissionais, culturais,científicas, algumas delas dedicadas a relações internacionais.

Exerceu funções como membro do Conselho de Administração da Fundação EDP, do qual se retirou aos 85 anos. Viria a falecer três anos depois.

 

 

 

 

(Apontamento disponibilizado pela Família do Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves em 30 de Junho de 2016)